Veja abaixo a entrevista que a Academia Brasileira de Direito Processual Civil realizou com o professor Carreira Alvim, sobre a atual conjuntura do sistema jurisdicional
ABDPC - Caro professor Carreira Alvim, sabe-se que o senhor é um fervoroso crítico do atual sistema judiciário brasileiro. Qual o diagnóstico que se pode fazer da atual situação da prestação jurisdicional no Brasil e quais são, do seu ponto de vista, os principais problemas que o jurisdicionado enfrenta, atualmente, na busca da tutela de seu direito?
Se for mantido o atual perfil da Justiça brasileira, com várias Justiças Federais (federal, eleitoral, militar, do trabalho), e apenas togados na administração da Justiça, não haverá solução possível, e os problemas que os jurisdicionados enfrentam é uma Justiça que não funciona.
ABDPC - A morosidade da prestação jurisdicional é um fato incontestável, cujos efeitos são extremamente danosos. Pergunta-se: a quem interessa a morosidade da prestação jurisdicional? Qual o papel do Estado nesta questão?
A morosidade da prestação jurisdicional interessa apenas a quem não tem razão e que se serve da Justiça para não cumprir os seus deveres e obrigações, como acontece com os entes públicos. O papel do Estado é nenhum, pois não quer justiça rápida.
ABDPC - Qual o papel desempenhado pelo vigente sistema legal de recursos para o agravamento da problemática?
Os recursos, além de serem excessivos, apresenta o defeito de não acarretarem nenhuma conseqüência para quem recorre, mesmo não tendo razão.
ABDPC - Ainda quanto aos recursos, que modificações poderiam ser realizadas para que se pudessem encontrar alternativas para o problema da efetividade da tutela jurisdicional?
A meu ver, deveria haver uma penalidade pecuniária (multa) para quem recorre e perde POR UNANIMIDADE.
ABDPC - A recente Reforma do Poder Judiciário trouxe inúmeras mudanças para o sistema legal vigente, dentre as quais a necessidade de o jurisdicionado de demonstrar a “repercussão geral das questões constitucionais” envolvidas no caso quando da interposição do recurso extraordinário. No que ela consiste e em que medida tal exigência contribuirá para a melhoria da prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal?
A respeito deste assunto já escrevi e me permito ler o que escrevi para você:
Repercussão geral da questão constitucional
Em princípio, pode parecer contraditório o deslocamento de competência operado pela reforma, com a alteração do inciso III dos respectivos arts. 102 e 105 da Constituição, sobretudo quando o que se intenta é agilizar a prestação jurisdicional, pois, restringe a competência do STJ e amplia a do ST, cuja composição é um terço inferior à do STJ (onze para trinta e três). Essa suposição, porém, se desfaz, em vista da circunstância --, presente no atual texto constitucional, e ausente no anterior --, expressa no § 3 o do art. 102, acrescentado pela EC 45/04, que submete a admissão de recurso extraordinário à demonstração, pelo recorrente, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, que somente poderá recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Esse preceito surgiu da “necessidade de se criar um filtro para os recursos de natureza extraordinária”, e não constitui novidade no ordenamento constitucional brasileiro, dado que, na vigência da Constituição anterior, determinadas causas, para serem objeto de recurso extraordinário, deviam atender, além de outros requisitos (natureza, espécie e valor pecuniário), indicados no regimento interno do STF, à relevância da questão federal, com tal “poder de fogo” que acabou abolido pela atual Constituição. Esse antigo pressuposto de recorribilidade, relevância da questão federal, reaparece, agora, com nova roupagem, devendo o recorrente demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei. Os conceitos de “relevância” e “repercussão geral” se equivalem, correspondendo ao de “transcendência” do direito argentino, cabendo à lei ordinária estabelecer as condições em que se terá por configurada tal repercussão. Por certo, serão as mesmas da relevância da questão federal, do revogado § 1 o do art. 327 do Regimento Interno do STF, na vigência da Constituição Federal de 1967 (redação da EC 1/69), qual seja, aquela que, “pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal.”
Extensão do conceito de “repercussão geral” da questão constitucional
Para viabilizar o recurso extraordinário, deve a “repercussão” da questão constitucional ser “geral” e ter uma relevância “considerável”, o que não significa deva ser, necessariamente, de âmbito nacional, podendo ser regional, e, até mesmo, local. Aliás, seria inconcebível vedar-se o recurso extraordinário a uma questão constitucional pelo fato de ter expressão local, quando até mesmo a validade de “lei local” contestada em face de lei federal, que é, também, uma questão constitucional, foi deslocada para o âmbito do art. 102, III, “d”, da Constituição. O que não mais viabiliza o recurso extraordinário é aquela questão que, apesar do seu fundamento constitucional (isonomia, por exemplo), contém-se na esfera privada do recorrente, sem mostrar-se útil na preservação da “inteireza constitucional”.
Registre-se, por oportuno, que o conceito de “repercussão geral” --, tanto quanto a de “relevância” e o de “transcendência” --, é do tipo genérico, aberto, fluido ou indeterminado, de modo que, na prática, pode ser que uma questão constitucional venha a ser considerada de repercussão geral por um julgador e não, por outro, pelo que a efetividade de tal regra dependerá muito da sensibilidade do legislador, ao estabelecê-la, e do julgador, ao aplicá-la, para não se transformar num obstáculo ao acesso à justiça, a comprometer a sua constitucionalidade.
Repercussão geral e a alínea “d” do inciso III do art. 102 da Constituição
Em princípio, poderia parecer que o pressuposto da “repercussão geral”, como condicionante do recurso extraordinário, só alcançaria as questões constitucionais, enquadradas nas alíneas “a”, “b” e “c” do inciso III do art. 102, e não a questão de validade da lei local contestada em face de lei federal, de que trata a alínea “d” do inciso III do mesmo artigo. É que os conceitos de constitucionalidade e de validade são distintos, podendo, inclusive, a lei, padecer, a um só tempo, dos vícios de inconstitucionalidade e invalidade, ou só de um, ou só de outro. Tal dúvida logo se dissipa se se considerar tratar-se, na espécie, de “contencioso constitucional”, caso em que a questão federal adquire o status de questão constitucional, e, como tal, sujeita, igualmente, à incidência do § 3º do art. 102 da Constituição.” Era isso.
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ABDPC - Fazendo um balanço geral das medidas que vêm sendo implementadas ao longo dos últimos anos no sistema processual brasileiro, que perspectivas se poderá ter para o futuro da prestação jurisdicional no Brasil?
Não adianta, apenas, reformar o sistema processual brasileiro se a estrutura do Poder Judiciário não está aparelhada para aplicá-lo. Uma jurisdição “do tamanho da alma do povo brasileiro” depende de uma reforma radical da Justiça Brasileira (veja a respeito, artigo de minha autoria no site do ipej www.ipej-rj.com.br (Municipalização da Justiça ou Justiça Municipalizada).