ACADEMIA BRASILEIRA DE
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Breve
História do Controle de Constitucionalidade
Nagib
Slaibi Filho
1.
Introdução. 2. O controle da constitucionalidade nos Estados
Unidos. 3. O controle da
constitucionalidade no Brasil Império. 4. O controle da constitucionalidade na
República Velha. 5. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1934.
6. O controle da constitucionalidade na Constituição de 1937. 7. O controle de
constitucionalidade na Constituição de 1946. 7.1. O controle de constitucionalidade
após 1965. 8. O controle de constitucionalidade na Constituição de 1967. 9. O
controle de constitucionalidade na Constituição de 1988. 9.1. O papel de legislador positivo do
Supremo Tribunal Federal. 10.
Conclusão.
1.
Introdução
O controle de constitucionalidade e os efeitos do reconhecimento da
inconstitucionalidade são temas que somente podem ser suficientemente
apreendidos mediante a verificação do curso da História, a sua lenta evolução
aqui e alhures; o método histórico mostra-se eficiente para afastar dos
incautos as afirmações, quase sempre equivocadas, de que o Direito tem conteúdo
cerebrino, despreza os fatos e inadmite
a lenta evolução que flui naturalmente do modo de ser de todas as coisas.[1]
Neste tema, não se mostra adequado o vezo que tanto nos ocorre de
atribuir a evolução à importação obtusa de modelos estrangeiros que
exterminaria o que muitos consideram o imprescindível caráter de nacionalismo
que deveria impregnar nossas instituições.
Em tema de controle de constitucionalidade, o que se pode observar é que
nosso país tem desenvolvido um complexo sistema cujos elementos foram
importados de outras plagas, embora aqui sejam aperfeiçoados de modo
absolutamente peculiar, a introduzir uma síntese que surge como característica original
do nosso Direito Constitucional.
2. O
controle da constitucionalidade nos Estados Unidos
A Constituição americana de 18 de setembro de 1787 representou o
primeiro texto constitucional consolidado de um país, embora algumas das
antigas colônias já dispusessem de documentos escritos com esta denominação.
Surgiu do difícil consenso nascido entre os povos das antigas colônias
que se viram relutantemente conduzidos a unir lentamente os seus esforços, desde a Declaração continental de
Independência, em 4 de julho de 1776; para tal, realizaram inicialmente uma
confederação conjugando os esforços comuns na luta contra a antiga Metrópole,
mas mantendo, assim, cada uma delas a soberania duramente conquistada (tanto é
assim que cada integrante da confederação manteve o direito de secessão, isto
é, de se separar da União).
Os laços confederativos, no entanto, mostraram-se insuficientes para as
lutas em face dos inimigos comuns, razão pela qual estreitaram os laços que os
uniam através da Constituição de 1787, que pela primeira vez instituiu a forma
federativa de Estado, esta a inadmitir a secessão que existia no regime
confederativo anterior e assim conduzindo a instituição de uma estrutura de
poder que pudesse oferecer meios, de um lado, para garantir a independência em
face das potências estrangeiras e, de outro, que mantivesse unido o povo das
antigas colônias.
Daí a adoção – no que eles foram pioneiros – de diversos institutos
regulando o exercício do poder:
a)
a própria existência da Constituição
escrita, cristalizando o relacionamento entre os agentes do Poder, como
produto de um consenso arduamente conquistado e expresso em texto de forma a
assegurar a sua permanência, assim em atenção ao velho brocardo romano verba volant scripta manent (as palavras
voam e o escrito se mantém);
b)
o caráter de constituição
rígida, isto é, garantindo o consenso político das decisões fundamentais
com um grau superior de normatividade, imune às influências das maiorias
eventuais que ordinariamente integram o Congresso, pois a elaboração dos atos
normativos infraconstitucionais deveria atender a um processo legislativo
diferenciado, e com menos solenidade, do que o processo de reforma da própria
Lei Maior;
c)
a instituição do regime
presidencialista de governo, em que cada Poder do Estado mantinha a sua
relativa autonomia no exercício de suas funções específicas, embora devesse
atuar harmonicamente com os demais ramos governamentais, assim realizando a
separação de poderes que Montesquieu vislumbrou no célebre O Espírito das Leis, aprimorando o modelo que Aristóteles somente
pudera perceber pela diferenciação de funções na antiga Grécia;
d)
a forma federativa
de organização do Estado, de modo a distribuir as atividades entre o governo
central, a União, e dos governos estaduais, transformando as antigas colônias
em Estados-membros, assim a colaborar na formação da vontade do órgão central,
e lhes garantindo a existência pela preservação de atribuições próprias (os
poderes residuais ou remanescentes[2]),
expressando a natural desconfiança
quanto à atuação dos agentes da União; e
e)
a declaração dos
direitos individuais, representando meios de interdição de atuação do poder
estatal – da União e dos Estados-membros – em face do indivíduo, providência
que não constava do texto promulgado em 18 de setembro de 1787, mas que se
integrou ao texto original através de dez emendas promulgadas em 1788 e 1789.
Não consta no texto, em momento algum, a atribuição a
qualquer órgão federal do poder de zelar pela guarda da Constituição, nem
pensou em atribuir tal poder ao próprio Congresso, pois ele mesmo tinha o
encargo de elaborar as leis e iniciar o processo de emenda da Constituição, que
ainda hoje exige a ratificação do texto aprovado pelo Congresso por um
expressivo número de Assembléias Estaduais.
A ascendência do Parlamento sobre os outros setores
do governo – os quais no regime parlamentar dele são derivados, inclusive os
tribunais – não serviu de paradigma
para os Estados Unidos, mas modelo de sua reação pela original adoção do regime
presidencialista, em que cada Poder do Estado atua separadamente.
Antes mesmo da promulgação da Constituição de 1789,
os juízes tinham proclamado que, nos casos que lhes fossem submetidos, poderiam
deixar de aplicar a lei incompatível com as leis de maior importância (New
Jersey, em 1780; Virgínia, 1782, North Carolina, 1787).
Os juízes seguiam aí precedentes decorrentes do fato
de que, no estabelecimento das colônias na América, a metrópole inglesa
concedia aos fundadores o poder de elaborar normas coloniais próprias, desde
que não atentassem contra as normas que regiam a sua formação. Note-se, daí, a
idéia de hierarquização das leis – as leis coloniais postas em patamar
inferior, submetidas às normas, superiores, que autorizavam a formação da
colônia – que foi o padrão imposto na constituição rígida e do qual derivou o
controle de constitucionalidade das leis.
Em 1803, no
célebre caso William Marbury vs. James
Madison, pela voz do Chief Justice
John Marshall, a U. S. Supreme Court
criou o precedente de deixar de aplicar a lei infraconstitucional contrária à Paramount Law.
Em face do princípio vinculativo herdado do sistema
britânico – stare decisis quieta movere
–, tal precedente se tornou obrigatório não só para a própria Suprema Corte com
também para os demais tribunais.
Ressalte-se: no controle incidental de
constitucionalidade o reconhecimento da inconstitucionalidade implica
simplesmente que a lei apontada vulneradora da Lei Maior deixa de ser aplicada
no caso em julgamento, devendo o juiz ou tribunal se socorrer dos outros meios
cabíveis para o julgamento da causa.[3]
No caso Marbury
vs. Madison o reconhecimento da inconstitucionalidade verteu sobre a
validade da lei federal de organização judiciária de 1789, que concedia à
Suprema Corte competência que não lhe fora deferida pela Constituição.
O que deu notoriedade a tal reconhecimento foi o
sistema do stare decisis que, de um
lado, tornou obrigatório o precedente para todos os órgãos judiciais e, de
outro, permitiu que a mais Alta Corte criasse o precedente de carrear para si e
para os demais tribunais a atribuição de expressar o significado da Lei Maior,
através do seu poder de verificar a compatibilidade das leis em face da
Constituição, ou dos atos dos demais ramos do Poder (Legislativo e Executivo)
em face da Paramount Law.
Com o passar dos tempos, o poder da Suprema Corte
neste aspecto chegou a tal magnitude que passou a verificar não só a
compatibilidade formal da lei ou do ato em face da Constituição como, até
mesmo, os aspectos materiais, chegando
a deixar de aplicar a lei que se entendeu contrária, dita desarrazoada, aos
princípios implícitos que se extraem do texto da Lei Maior.[4]
Ao apreciar a constitucionalidade de uma lei, o
tribunal atua em dimensão muito além do que simplesmente expressar o
significado possível da lei no sistema jurídico: expressa, na verdade, o
significado da Constituição, e, mais do que simplesmente dizer que tal é o
significado, acaba por instituir, como se constituinte fosse, a norma de
conduta que predominará sobre todas as outras normas pelo caráter de supremacia
imanente à Constituição.
Então o patamar de atuação do aplicador
constitucional está muito além da técnica jurídica, pois expressa a vontade
política, o modo de ser, os valores que realmente importam na sociedade, pois
estes são os ilimitados horizontes do poder constituinte.
3. O
controle da constitucionalidade no Brasil Império
A Constituição que D. Pedro I outorgou em março de 1824 (praticamente
idêntica a que também outorgou a Portugal em 1826, como D. Pedro IV) atendia ao
pensamento constitucionalista predominante na Europa no início do século XIX, a
considerar que o poder provinha simultaneamente de Deus e do povo, com
ascendência Daquele, mas sem esquecer que o rei deveria atender também ao
desejo dos cidadãos. [5]
Tal era a linha liderada por Benjamim Constant, mestre de Estraburgo, e
que depois os pensadores denominaram de
reinos de democracia temperada,
fase de transição entre o autoritarismo real e a democracia burguesa, mitigando
os excessos que alarmavam a todos desde a carnificina que legitimou a Revolução
Francesa.
A Constituição imperial de 1824, assim, introduzia a separação dos
Poderes,[6]
pois a divisão e harmonia dos Poderes
Políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro
meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece (art. 9º), os Poderes Políticos reconhecidos pela
Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder
Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial (art. 10), os
representantes da Nação brasileira são o Imperador e a Assembléia Geral
(art. 11) e todos estes Poderes no
Império do Brasil são delegações da Nação (art. 12).
Atribuiu-se à Assembléia Geral, com a sanção do Imperador, segundo o
art. 13 da Constituição, fazer as leis,
interpretá-las, suspendê-las e revogá-las (inciso VIII) e velar na guarda da Constituição, e
promover o bem geral da Nação (inciso IX).
Vê-se que o controle da constitucionalidade das leis no Império era
exercido pelo próprio Poder Legislativo, o qual deveria interpretar as leis (em
interpretação dita autêntica, como fez na Lei de Interpretação, de 1840, que
limitou o alcance do Ato Adicional de 1834, este a única emenda formal à Carta
de 1824) e até mesmo legislar sem receio de que a lei fosse dita “irrazoável”,
como foi no caso da Lei da Maioridade, também de 1840, que declarou que o jovem
Pedro de Alcântara, então com 14 anos, passava a ser maior, assim preenchendo o
requisito constitucional de que o Imperador deveria contar, ao menos, com 18
anos para que subisse ao Trono e, desta forma, cessando a anarquia que
caracterizou os períodos de Regência... [7]
Ressalte-se que o controle legislativo da constitucionalidade da lei
implantado na Carta do Império se de um lado mostrou-se inoperante e permitiu uma certa promiscuidade entre o
legislador ordinário e o legislador constituinte, por outro lado não excluiu da
Lei Maior o seu caráter de constituição rígida, pois distinguia os
procedimentos de elaboração das leis e de emendas constitucionais.
Importante também constar que o papel institucional do Imperador,
exercendo o Poder Moderador, dito a chave
da abóbada do sistema jurídico, com poder de veto suspensivo sobre os atos
da Assembléia Geral e de até mesmo dissolvê-la, também servia de contraponto e
freio às incursões do Parlamento nas áreas política e jurídica.
4. O
controle da constitucionalidade na República Velha
A República Velha abandonou o padrão francês da organização política do
Império e acolheu com entusiasmo o
modelo estadunidense, como já antes fizeram os nossos vizinhos latinos.
Adotou a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, sob a inspiração de
Rui Barbosa, não só denominação similar para o País (Estados Unidos do Brasil)
como as instituições da república, federação, presidencialismo e até mesmo o
modelo, típico do sistema do Common Law,
da jurisdição universal (judicial review),
este a permitir ao juiz a mais ampla cognição, aos tribunais comuns se
submetendo todas as causas,[8]
diversamente do sistema francês que, até hoje, separa a jurisdição comum da
administrativa e que, no Império, deferia ao Conselho do Estado o poder de
processar e julgar as causas públicas.
A demonstrar que não basta a existência de Constituição escrita para que
os institutos nela implantados possam vicejar como poderiam esperar os seus
criadores, mostraram-se os juízes republicanos, na esmagadora maioria vindos do
antigo regime, avessos ao controle da constitucionalidade pelo modelo
estadunidense, o que levou Rui Barbosa, ao contribuir na elaboração da Lei de
Organização Judiciária da Justiça Federal, em 1824, a fazer constar no art. 13,
§ 10, surpreendentemente, que os juízes
obedecerão à Constituição e às leis, nesta ordem...[9]
E mesmo assim Rui Barbosa não se viu bem-sucedido na sua empreitada
reformista, pois os juízes – e até aqueles que integravam o Excelso Pretório –
recusavam tal controle sobre os outros Poderes da República.
Rui, ele mesmo, foi impetrante de célebre habeas corpus contra ato do Presidente da República que o Supremo
Tribunal Federal denegou com o frustrante argumento de que não podia exercer
tal controle em face da natural imunidade perante os tribunais dos atos do
Chefe do Estado e do Governo.[10]
A República velha teve a honra de introduzir em nosso sistema o controle
judicial de constitucionalidade, como herança do padrão estadunidense de
organização do Poder. Mas esse controle, naquele período, foi muito restrito,
quase inexistente, não só pela formação privatística do juiz acostumado ao
sistema jurídico do Civil Law,[11]
como pela falta de instrumentos jurídicos que permitissem aos tribunais
– e principalmente o Supremo Tribunal Federal – a plena efetividade de tais
funções.
Ao Supremo Tribunal Federal cabia processar e julgar em grau de recurso
as causas decididas pelos juízes e tribunais federais (Constituição de 1891,
art. 59, 2) e, quanto às justiças estaduais, dispunha no mesmo art. 59, §§ 1º e
2º:
Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete:
(. . .)
§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em última
instância haverá recurso para o Supremo
Tribunal Federal:
a)
quando se
questionar sobre a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e a
decisão do tribunal do Estado for contra ela;
b)
quando se
contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da
Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do Estado
considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
§ 2º Nos casos em que houver de aplicar leis dos
Estados, a justiça federal consultará a jurisprudência dos tribunais locais, e
vice-versa, as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos Tribunais
federais, quando houverem de interpretar leis da União.
Art. 61. As decisões dos juízes ou tribunais dos
Estados, nas matérias de sua competência, porão termo aos processos e às
questões, salvo quanto a:
1º habeas corpus,
2º espólio de estrangeiro, quando a espécie não
estiver prevista em convenção, ou tratado.
Em tais casos haverá recurso voluntário para o
Supremo Tribunal Federal.
Veja-se, assim, quão restrita a cognição pelo Supremo Tribunal Federal
no controle dos atos da Justiça estadual, que assim podia exercer com plenitude
as suas funções, embora sacrificando o caráter nacional da aplicação da
Constituição e dos tratados e de leis federais.
Tal frouxidão constitucional quanto ao controle de validade da Lei Maior
permitiu na República Velha as conhecidas crises federativas e a prevalência
das oligarquias estaduais sobre o Governo Central, o que, aliás, decorria do
acordo de vontade entre os dois maiores Estados – São Paulo e Minas Gerais – na
aliança que ficou conhecida como a política
do café com leite e cujo idealizador foi o paulista Prudente de Morais, o
primeiro civil ocupante do cargo de Presidente da República.
Arthur Bernardes, que governou de 1922 a 1926 sempre em regime de estado
de sítio, providenciou a Emenda de 5 de setembro de 1926, dando ao Supremo
Tribunal Federal o poder de dirimir os conflitos entre os juízes federais e dos
Estados, bem como conhecer dos recursos das decisões dos juízes e tribunais
federais, cabendo a estes processar e julgar as causas em que alguma das partes
fundar a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal.
Tais alterações, no entanto, tiveram pouco tempo de vida útil, pois logo
em 1930 veio a denominada Revolução Liberal que levou Getúlio Vargas ao poder,
o qual baixou, com força de Constituição, o Decreto nº 19.398, de 11 de
novembro de 1930, dispondo em seu art. 3º que o Poder Judiciário Federal, dos Estados, do Território do Acre e do
Distrito Federal continuará a ser exercido na conformidade das leis em vigor,
com as modificações que vierem a ser adotadas de acordo com a presente e as
restrições que desta mesma lei decorrerem desde já.
5. O
controle de constitucionalidade na Constituição de 1934
Curto
foi o império da vigência da Constituição de 1934, embora duradoura a sua
influência.
Surgiu a Constituição promulgada em 16 de julho de 1934 no bojo da
imensa crise de reformulação da sociedade e do Estado, causada pelos novos
processos econômicos e sociais que por si só sepultaram os postulados liberais
do século anterior, a conduzir a estulto absenteísmo do Poder Público.
A Constituição mexicana de 1917, a Constituição da União Soviética de
1918 e a Constituição alemã de 1919, promulgada na pequena cidade de Weimar,[12]
implantaram novas soluções políticas e jurídicas e impressionaram o nosso
legislador constituinte de 1934, que, mesmo não abandonando de todo o paradigma
estadunidense, começou a caminhar em direção às constituições parlamentaristas
européias.
Assim, foi mitigado o modelo federativo, concentrando-se mais poder no
governo central, e, em conseqüência, foi alterado profundamente o Poder
Judiciário, que não só recebeu a Justiça eleitoral instituída em 1932,
criando-se o mandado de segurança como instrumento célere para a proteção dos
direitos não tutelados pelo habeas corpus, alterando-se a denominação do
mais Alto Tribunal, que passou a se chamar Corte
Suprema, e introduzindo-se o recurso extraordinário como instrumento de
controle da prevalência da Constituição e das leis federais quanto às causas
decididas em única ou última instância pela Justiça estadual.
Alteração que diretamente nos interessa foi a introdução da
representação para intervenção da União no Estado-membro como instrumento
jurídico para a execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais
e, principalmente, também assegurar a observância dos princípios
constitucionais da forma republicana representativa, independência e
coordenação dos Poderes, temporariedade das funções eletivas, autonomia dos Municípios,
garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público estaduais, prestação de
contas da administração, possibilidade de reforma constitucional e competência
do Poder Legislativo para decretá-la e representação das profissões nos órgãos
legislativos segundo o padrão federal.
Assim, como até hoje está nos arts. 34 a 36 da Constituição de 1988,
introduziram-se mecanismos de intervenção a serem efetivados através de
processo judicialiforme instaurado perante o Supremo Tribunal, mediante
representação do Procurador Geral da República[13]
em caso de vulneração dos princípios constitucionais que depois Raul Machado
Horta denominou de princípios
constitucionais sensíveis, além de se prever a intervenção material por
descumprimento de decisão judicial.
Ressalte-se o esforço do legislador constituinte, pela adoção da
representação para a intervenção,[14]
de transformar a questão política de ingerência da União nos Estados em questão
jurídica, a ser decidida por fundamentos técnicos expostos em decisão da Corte
Suprema, alçada, assim, a um papel político e não mais de aplicador
jurisdicional do Direito.
A representação para intervenção, em caso de violação dos princípios
constitucionais sensíveis, constitui processo de natureza objetiva,
independentemente da existência de efeitos concretos da lei impugnada,
legitimando ativamente o chefe do Ministério Público federal e passivamente os
órgãos que elaboraram a lei impugnada.
Até então, o controle de constitucionalidade realizado pelos tribunais
brasileiros, na República Velha, adotava o modelo estadunidense e, a partir de
1934, com a representação para intervenção, passou também a adotar padrão de
controle de constitucionalidade que herdamos da Europa continental, com o
modelo elaborado por Hans Kelsen para a Constituição austríaca de 1922, com a
criação de tribunal ou corte constitucional como órgão vinculado ao Parlamento.
A
Áustria, que até 1920 adotava o modelo francês, aperfeiçoou o seu modelo,
criando uma Corte Constitucional para, de modo concentrado e unicamente por via
de ação direta, exercitar o controle de constitucionalidade. Com a reforma de
1929, admitiu-se que os órgãos de segunda instância da justiça remetessem à Corte Constitucional a decisão de questões
incidentais de inconstitucionalidade, com pronúncia ex tunc; os órgãos judiciais de primeira instância são obrigados a
cumprir a lei, ainda quando pairem dúvidas sobre a sua compatibilidade com a
Constituição. É o modelo adotado pela Alemanha, Itália, Espanha, Turquia,
Chipre, Grécia e Bélgica.
Sobre Kelsen e sua colaboração para a criação da Corte
Constitucional austríaca, veja-se o seguinte trecho de artigo denominado Hans Kelsen – vida e obra (anotações sobre o
livro de Rudolf Aladár Métall), de Márcia Latgé Mannheimer e Letácio
Jansen:[15]
No final de outubro de 1918, o Dr. Karl Renner
(Staats-Kanzler do Governo provisório alemão-austríaco) incumbiu Kelsen de
trabalhar na elaboração da Constituição da República. Em 1919, Kelsen publica
um texto comentado da Constituição da república austro-alemã, onde ele critica
a técnica legislativa da Constituição provisória, e que teve grande influência
para o futuro texto constitucional definitivo. O Dr. Karl Renner, ocupado com a
difícil situação econômica do País, pouco podia trabalhar nas questões
constitucionais, limitando-se a dar a Kelsen as diretivas políticas essenciais.
O texto constitucional consagrava uma democracia
parlamentarista, de estados autônomos, mas sem esvaziar muito a competência do
Governo Central, utilizando como modelo, na medida do possível, a Constituição
de Weimar, porém com uma definição mais democrática do Executivo do que a
adotada naquela Carta. A tendência pessoal de Kelsen era elaborar um texto
tecnicamente correto, sem defeitos, criando, com isto, garantias eficazes para
assegurar a constitucionalidade da atuação estatal.
A Corte Constitucional, prevista no texto, foi a primeira na
história do Direito Constitucional. Quanto aos direitos fundamentais, e no
tocante às garantias de liberdade, o texto praticamente repete o da
Constituição Federal de 1867. Em 1º de outubro de 1920, é promulgada a
Constituição, aprovada pelo Parlamento sem modificações essenciais no texto de
Kelsen. A criação, que lhe dava tanto orgulho, sobre a jurisdição
constitucional, não sofreu qualquer modificação no Parlamento.
A Corte Suprema, com a representação para intervenção, ganhou do constituinte brasileiro, pela primeira vez, uma competência que a fazia se aproximar do modelo europeu de Corte Constitucional.
Ressalte-se
a grande diferença: a Corte Suprema, como o atual Supremo Tribunal Federal, era
órgão judiciário, integrante do Poder Judiciário, e os seus ministros são
juízes vitalícios; os juízes da Corte
Constitucional européia, em geral, exercem mandato com prazo certo mesmo porque
a Corte Constitucional é órgão auxiliar do Parlamento que os designa.
Ainda assim, na linha de orientação
relembrada por Rui Barbosa de que aos tribunais não cabe o conhecimento das
questões políticas, caracterizadas estas pelo conteúdo das decisões típicas de
cada um dos Poderes, dispunha a Constituição de 1934, no art. 68, que é vedado ao Poder Judiciário conhecer de
questões exclusivamente políticas, disposição repetida no art. 94 da férrea
Constituição de 1937.
De qualquer forma, iniludível o caráter político da decisão a ser proferida em sede de representação para intervenção ainda que o processo seja judicialiforme (com forma ou aparência dos processos jurisdicionais) e a decisão seja a síntese resultante do contraditório, que é a grande característica legitimadora do processo judicial.
Outra grande criação da Constituição de 1934 foi amortecer o regime presidencialista de governo (que se caracteriza pela nítida divisão das funções entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário), através da instituição de órgãos de coordenação dos Poderes, como o do Senado Federal:
Art. 88. Ao Senado
Federal, nos termos dos arts. 90, 91 e 92, incumbe promover a coordenação dos
poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela
Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos de sua
competência.
Entre as inovações, de nítido caráter parlamentarista, destacam-se:
Art. 91. Compete ao Senado Federal:
I.
colaborar com a Câmara dos
Deputados na elaboração de leis sobre: ...;
II. examinar, em
confronto com as respectivas leis, os regulamentos expedidos pelo Poder
Executivo, e suspender a execução dos dispositivos ilegais;
III.
propor ao Poder Executivo,
mediante reclamação fundamentada dos interessados, a revogaçao de atos das
autoridades administrativas, quando praticados contra a lei ou eivados de abuso
de poder;
IV.
suspender a execução, no
todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando
hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário; ...
O
inciso II deferia, assim, ao Senado Federal o poder de velar pela legalidade
dos regulamentos expedidos pelo Poder Executivo e o inciso III, o poder de
propor ao mesmo Poder a revogação de atos administrativos, quando ilegais ou
eivados de abuso de poder.
Já
o inciso IV trouxe o que hoje está no art. 52, X, da Constituição de 1988, qual
seja, o poder do Senado Federal de suspender a execução (ou coarctar os
efeitos) de lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando declarados
inconstitucionais pelo Poder Judiciário.[16]
Veja-se que
o sistema da Constituição de 1934 conferia ao Senado Federal o papel de
coordenador dos Poderes federais (Legislativo, Executivo e Judiciário). Nesse papel, as funções de zelar pela
legalidade e legitimidade dos atos administrativos e dos regulamentos de leis,
conduzindo, assim, à atribuição de suspender a execução do ato normativo
declarado inconstitucional, fossem eles federais e, por que estamos em sistema
federativo, também os estaduais e municipais, desde que assim fossem
reconhecidos pelo órgão judiciário encarregado de tal atribuição, no caso, a
Corte Suprema.
Também
o princípio da reserva de plenário, chamado por Pontes de Miranda de quorum mínimo para julgamento de
inconstitucionalidade de regra jurídica, foi criado entre nós pela
Constituição de 1934, no título VIII, dedicado às disposições gerais, no art.
179: Só por maioria absoluta de votos da
totalidade dos seus juízes, poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder.
Tal regra tem nítido conteúdo processual, adentrando por si só nos ordenamentos jurídicos estaduais (pois o Código nacional de Processo Civil somente entrou em vigor em 1939) e nos regimentos internos dos Tribunais, entre eles, e principalmente, a Corte Suprema, a quem se conferiu, pela mesma Constituição de 1934, o poder de processar e julgar o recurso extraordinário para a preservação das normas constitucionais.
Embora
o anteprojeto de Constituição exigisse o quorum de 2/3 (dois terços),[17]
na redação final ficou na maioria absoluta da totalidade dos membros do pleno
do Tribunal; isto é, mais da metade dos integrantes do tribunal acolhem o mesmo
fundamento para o reconhecimento da incompatibilidade do ato normativo em face
do texto constitucional.
6. O controle
da constitucionalidade na Constituição de 1937
O
caráter autoritário e centralizador da Carta de 10 de novembro de 1937,
outorgada por Getúlio Vargas em momento extremo da política nacional, foi
avesso ao controle da constitucionalidade das leis, mesmo porque durante a sua
vigência não se elegeram os integrantes do Parlamento, ficando autorizado o
Chefe do Executivo a dispor sobre todas as matérias, inclusive emendas
constitucionais, através de decretos-leis.
Além do mais, quanto ao princípio da reserva de plenário, assim
constava:
Art. 96. Só por maioria absoluta de votos da
totalidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade da lei ou de ato do Presidente da República.
Parágrafo único. No caso de ser declarada a
inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja
necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de
alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do
Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras,
ficará sem efeito a decisão do Tribunal.[18]
Observe-se que o caput passou a restringir o controle de
constitucionalidade sobre atos do Presidente da República, figura que ganhou
tanto relevo naquela Carta que sequer se referia a Poder Executivo, mas a Presidente
da República, centro da política nacional, do relacionamento entre os Poderes
do Estado e do regime federativo.
7. O
controle de constitucionalidade na Constituição de 1946
A redemocratização do País, em decorrência do triunfo dos Aliados sobre
os Estados totalitários do nazismo e do fascismo, conferiu à Constituição
promulgada em 18 de setembro de 1946
caráter político-liberal, descentralizador em reação ao centralismo da
Constituição de 1937, federativo, garantidor dos direitos individuais, repristinando
as inovações trazidas pela Constituição de 1934, sem permitir, no entanto, a
solução das crises institucionais que se tornaram constantes.[19]
Mas o caráter liberal da Constituição de 1946, fruto de consenso entre
as diversas correntes ideológicas que podiam se manifestar logo após o término
da Segunda Guerra Mundial, e simultaneamente impressionadas pelo poderio
presidencialista estadunidense e pelas lições da Europa continental
parlamentarista, conservou diversos institutos no controle da constitucionalidade:
a) a
representação para intervenção da União no Estado e deste no Município (arts.
7º e 23), excluído o Distrito Federal cujo Prefeito era nomeado e demissível ad nutum pelo Presidente da República;
b) o poder do
Senado de suspender, no todo ou em parte, a execução de leis ou decretos
achados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal
(art. 64);
c) o recurso
extraordinário das causas decididas em única ou última instância por outros
tribunais e juízes (art. 101, III); e
d) o princípio
da reserva de plenário (art. 200).
7.1.
O controle de constitucionalidade após 1965
No bojo de
reforma tributária engendrada pelos Ministros Otavio Bulhões e Roberto Campos,
desta forma alterando profundamente o sistema tributário nacional através da
Emenda Constitucional nº 18, promulgada em 1º de dezembro de 1965, veio também
a Emenda Constitucional nº 16, promulgada em 26 de novembro do mesmo ano,
alterando, entre outros, a redação de diversos dispositivos da Constituição de
1946:
Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I – processar e julgar originariamente:
...
k) a representação contra inconstitucionalidade de
lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo
Procurador-Geral da República;
...
Art. 124 (sobre a Justiça estadual)...
...
XIII – a lei poderá estabelecer processo, de
competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato do Município, em conflito com a
Constituição do Estado.
A
representação para intervenção, ou ação declaratória de inconstitucionalidade,
foi criada pela Constituição de 1934 como instrumento de controle concentrado
de constitucionalidade nos casos de alegada ofensa aos princípios
constitucionais sensíveis que hoje estão no art. 34, VII, da Carta de 1988. Com
a Emenda Constitucional nº 16, de 1965, vieram os seus primeiros frutos,
ampliando o seu objeto para alcançar a declaração de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Carta da República; e de
lei ou ato normativo municipal em face da Constituição estadual.
A
representação para intervenção, antes e até agora, é instrumento de ingerência
constitucional da União no Estado, ou do Estado no Município, em que o tema de
inconstitucionalidade do ato era declarado em ação perante as Cortes máximas da
União ou do Estado, ensejando, em caso de intervenção material (atual art. 34,
VI) ou intervenção normativa (atual art. 34, VII) a requisição ao Chefe do
Executivo que então viria com o decreto operando a intervenção.
Seu procedimento é regulado
na Lei federal nº 4.337, de 1º de junho de 1964, e na Lei nº 5.778, de 16 de
maio de 1972,[20] inclusive
prevendo o procedimento do Procurador-Geral da República quando receber
requerimento do interessado em que ele ingresse com a representação para
intervenção.
A representação para inconstitucionalidade, hoje a atual ação direta de
inconstitucionalidade (ADIn) e cujo procedimento é regulado na Lei nº 9.868/99,
é instrumento de controle de constitucionalidade de lei federal ou estadual em
face da Constituição da República perante o Supremo Tribunal Federal, e de lei
estadual ou municipal em face da Constituição do Estado perante o Tribunal de
Justiça do Estado. A prática instaurada no Supremo Tribunal Federal, em face da
disposição que hoje está no art. 52, X, da Carta de 1988, mandava que,
declarada a inconstitucionalidade, fosse a mesma comunicada ao Senado Federal
pelo Supremo Tribunal Federal e, por simetria, à Assembléia Legislativa pelo
Tribunal de Justiça quando este fosse o processante.
Insista-se: a atual ADIn é herdeira da representação para intervenção
normativa, ampliando-se o seu legitimado ativo (antes o Procurador-Geral da
República e agora ele e mais diversos outros órgãos públicos e entidades
públicas e privadas), o seu objeto (antes para fins de intervenção por
vulneração dos princípios constitucionais sensíveis e hoje para qualquer
inconstitucionalidade, inclusive por omissão de legislar).
8. O
controle de constitucionalidade na Constituição de 1967
No regime da Constituição de 1967, assim como na vasta reforma
empreendida através da Emenda Constitucional nº 1/69, foram mantidos, com
mínimas alterações redacionais, os dispositivos constitucionais encontrados na
Constituição de 1946 com a alteração da Emenda Constitucional nº 16/65
referentes ao controle de constitucionalidade.
A grande alteração que se deu no controle de constitucionalidade foi,
antes de tudo, a mudança da prática do Supremo Tribunal Federal.
Como se debatia durante quase toda a década de 70 no processo administrativo
4477/72, do Excelso Pretório, pressentiu-se a necessidade de alterar o
regimento interno para obviar situação que se tornava intolerável e desgastante
das instituições de controle de constitucionalidade.
A Suprema Corte comunicava a declaração de inconstitucionalidade ao
Senado Federal, para que este resolvesse sobre a resolução hoje prevista no
art. 52, X, da Carta de 1988, tanto em casos de controle incidental (pois o
reconhecimento da inconstitucionalidade ficava restrito como prejudicial da
decisão que, aí sim, alcançava os denominados limites subjetivos da lide e a
resolução do Senado operava erga omnes
nas esferas normativas federal, estadual e municipal) como de controle
concentrado (pois reconhecimento da inconstitucionalidade na respectiva
representação tinha conteúdo declaratório, necessitando da resolução senatorial
para suspender erga omnes os efeitos
da norma inconstitucional).
Mas o Senado Federal nunca se viu obrigado a automaticamente baixar a
resolução suspensiva dos efeitos da norma impugnada, a despeito da prévia
decisão sobre o tema pelo Supremo Tribunal Federal. Embora alguns doutrinadores
já na época insistissem sobre tal vinculação, o certo é que o Senado somente o
fazia quando achava conveniente, pois a sua deliberação, aí, tem nítido
conteúdo político, nem se poderia dizer que a Alta Casa fosse mera homologadora
das decisões do Supremo Tribunal Federal, para cujos membros, aliás, é o
tribunal que processa e julga os crimes funcionais através de ação penal
popular (Constituição de 1988, art. 52, II; Lei nº 1.079/50).[21]
E aí ocorria situação que se mostrava terrivelmente gravosa: a despeito
de reconhecer a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, não só
incidentalmente como através do controle concentrado, o Supremo Tribunal
Federal se via obrigado a fazer a comunicação ao Senado Federal, que, por sua
vez, se omitia – não importam aqui os motivos tópicos – de suspender a execução
da norma impugnada.
Assim, milhares de demandas, através de recurso extraordinário e até
mesmo através da medida cautelar referida no art. 800, parágrafo único, do
Código de Processo Civil,
continuavam chegando na Suprema
Corte e por ela deviam ser individualmente julgadas, ainda que se tratassem de
ações repetidas, geralmente sobre tributos ou atos da Administração Pública, em
que somente mudavam as partes. O papel do Supremo Tribunal Federal era, assim,
meramente declaratório da constitucionalidade, cabendo ao Senado atribuir carga
erga omnes à eficácia da norma
impugnada.
Já na década de 60, ainda na vigência da Constituição de 1946, nas
Representações para intervenção de nº 466 e 467, relatadas, respectivamente,
pelos Ministros Ary Franco e Vitor Nunes,[22]
o Supremo Tribunal Federal deferira liminar, suspendendo a eficácia dos atos
impugnados, o que representou, na prática, adiantar, pela via cautelar, ato que
não era da Corte mas que por ela seria requisitado, a final, ao Poder
Executivo.
Note-se, no entanto, a grande diferença, pois na representação da
intervenção o ato interventivo seria requisitado (e não solicitado!) pelo
Supremo Tribunal ao Chefe do Executivo, enquanto na representação de
inconstitucionalidade a comunicação ao Senado Federal não tinha caráter
requisitório, mas meramente deflagrador do respectivo processo legislativo,
pois a suspensão dos efeitos do ato impugnado somente ocorreria com a edição da
resolução pela Câmara Alta.
Ocorre que em 15 de março de 1975, como estatuído na Lei Complementar
federal nº 20/74, aconteceu a fusão entre os antigos Estados da Guanabara e do
Rio de Janeiro, criando-se o atual Estado do Rio de Janeiro pela inserção,
neste, das estruturas orgânico-funcionais de poder dos Estados fundidos, o que
representou hercúleo esforço sob a execução do então Governador Faria Lima,
escolhido pelo Presidente Ernesto Geisel, que tomara para si a responsabilidade
histórica por tal empreendimento
Em decorrência da fusão, foi necessário proceder à integração entre os
antigos Tribunais de Justiça dos Estados, fundidos para compor o Tribunal de
Justiça do novo Estado, o que compreendia unificar duas carreiras de
magistratura que eram diferentes quanto às respectivas entrâncias.
Nos termos do art. 144, § 5º, da Emenda Constitucional nº 1/69, que era
o texto constitucional em vigor na época, o Tribunal de Justiça baixou a
Resolução nº 1, de 21 de março de 1975, dispondo tanto sobre a organização
judiciária como sobre a carreira da magistratura, o que regeria as
determinações administrativas de remoção e promoção que logo deveria fazer para
suprir as lotações de cargos vagos e assim impedir a paralisação dos serviços
judiciários.
Os juízes do antigo Estado do Rio de Janeiro, reunidos na Associação
Fluminense dos Magistrados, e nos termos do disposto no art. 119, I, “l”, da
Constituição, através de requerimento elaborado por Gusmar Visconti de Araújo,
dirigiram-se ao então Procurador da República,
clamando pelo ajuizamento da representação e argüindo a urgência que
indicava o deferimento de liminar pelo Excelso Pretório.
Na esteira da prática implantada por Themistocles Brandão Cavalcanti
desde o final da década de 50, quando exerceu com proficiência o mesmo cargo, o
Procurador-Geral da República capeou o requerimento dos juízes com a sua
petição inicial, sem se alongar nos fundamentos das alegadas
inconstitucionalidades sobre diversos dispositivos da resolução, reservando-se
para manifestação mais densa e profunda quando chegasse o momento de atuar como
custos legis, a final.
A representação tomou o nº 933, sob o relato do Ministro Thompson
Flores, que logo a submeteu ao Plenário para apreciação da medida liminar,
convencidos todos da urgência da situação, mas controvertida a plausibilidade,
pois a Suprema Corte não estava expressamente autorizada pela Constituição a
conceder cautelar em representação por inconstitucionalidade, mesmo porque o
provimento final seria declaratório, necessitando do referendum do Senado Federal através da resolução prevista hoje no
art. 52, X, da Carta de 1988.
O Ministro José Geraldo Rodrigues de Alckmin assim votou:
Senhor Presidente, com a devida vênia, acompanho o
eminente relator, entendendo que há um poder geral de acautelamento inerente ao
próprio exercício da função jurisdicional: nenhum juiz deve proferir uma
sentença ou ser compelido a fazê-lo ciente de que esta não deva produzir seus efeitos,
ou dificilmente venha a produzi-los. Daí esse poder acautelador e geral, que é
inerente ao próprio exercício da função, um dos tipos fundamentais de tutela
jurídica, como a execução, como o processo de conhecimento.
...
Vamos separar as questões: do cabimento da medida ou
da oportunidade e conveniência da medida, que são questões diferentes.
Mesmo que se trate de uma ação direta de
inconstitucionalidade, entendo que há possibilidade de remédio cautelar, desde
que a parte formal que propõe a ação alegue que tem necessidade do provimento
cautelar, para que, afinal, a decisão não venha encontrar situação que
impossibilite a eficácia da decisão tomada. Não vejo impedimento a que se
atenda a este pedido.
Observa Vossa Excelência que seria, de certa forma,
incabível a medida, porque aí se trata de lide em que não se fixam interesses
concretos para justificá-la. É um pedido de declaração em abstrato de
inconstitucionalidade de uma lei. Mas temos que reconhecer que se admite este
tipo de ação, há uma parte formal que está intitulada a propô-la. A esta parte
formal caberá dizer se há interesse na medida da cautela.
Para conservarmos os princípios processuais, temos
que admitir que o legitimado a pedir uma proteção no processo de conhecimento
também está legitimado a pedir a proteção no processo cautelar.
Em posição adversa, o Ministro Eloy da Rocha afirmou que, na ação direta
de inconstitucionalidade, a prestação judicial finda com a declaração de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade e que não cabe ao Poder
Judiciário suspender a execução, competência precípua que a ordem
constitucional então vigente concedia ao Senado Federal, no seu art. 42, X:
Na ação direta de inconstitucionalidade, para
declaração de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo federal
ou estadual, a prestação jurisdicional se exaure nessa declaração. Em caso
concreto, seja em qualquer ação, seja na ação de mandado de segurança quando se
argúi e reconhece a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público, a sentença
nunca suspende, em tese, a execução da lei ou do ato. A sentença assegura o
direito subjetivo violado ou ameaçado, declarando a inconstitucionalidade da
lei ou do ato, que, em conseqüência, não terão aplicação, tão só, em relação ao
titular do direito.
Nessa vertente do pensamento, entendia que deveria ser denegada a medida
cautelar antecipatória, pois, a seu ver, o provimento final (a decisão judicial
declaratória) não teria o condão pretendido na cautelar, qual seja, antecipar o
provimento senatorial que, este sim, teria efeitos erga omnes e ex nunc, a
partir daí suspendendo os efeitos (mas não revogando!) da lei ou do ato
impugnado.
No entanto, sob o impressionante peso do pensamento de que o poder
acautelar é inerente ao poder de decisão, a maioria concedeu a liminar,
antecipando o Tribunal, assim, a tutela própria da resolução senatorial.
Mas se o Supremo Tribunal Federal poderia conceder cautelar antecipando
os efeitos da resolução de órgão legislativo, desde logo se viu desnecessário
que nas representações de inconstitucionalidade fosse a decisão comunicada ao
Senado Federal, ficando, assim, reservada a comunicação ao órgão legislativo
somente para os casos de reconhecimento incidental de inconstitucionalidade.
Aliás, nesse sentido, respaldando a posição que a Suprema Corte tomou na
Representação nº 933, ao conceder a cautelar, dois anos depois veio a Emenda
Constitucional nº 7, outorgada por Ernesto Geisel em 13 de abril de 1977,
dispondo sobre o que se denominou de Reforma
da Justiça, instituindo regime nacional único para
a Magistratura através da Lei Orgânica da
Magistratura Nacional, somente editada em 1979, e alterando a competência
do Supremo Tribunal Federal com nova redação do art. 119, I, destacando-se o
seguinte:
l) a representação do Procurador-Geral da República,
por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou de ato normativo
federal ou estadual;
...
o) as causas processadas perante quaisquer juízos ou
Tribunais, cuja avocação deferir, a pedido do Procurador-Geral da República,
quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou
às finanças públicas, para que se suspendam os efeitos da decisão proferida e
para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido; e
p) o pedido de medida cautelar nas representações
oferecidas pelo Procurador-Geral da República.
Enfim, pela célebre decisão cautelar proferida na Representação de
inconstitucionalidade nº 933, pela única e exclusiva vez em toda a história,
até então, do controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal
transcendeu o seu caráter de órgão jurisdicional para alcançar o patamar
legislativo e, assim, adentrar em tarefa que não era típica da função
jurisdicional.
De fato, ao julgar a inconstitucionalidade incidentalmente, a Corte o
faz no seu papel de órgão jurisdicional, aplicando o Direito ao caso concreto
para dirimir o conflito de interesses. Declarando a inconstitucionalidade
incidentalmente, e após o trânsito em julgado da decisão definitiva, o Excelso
Pretório fazia a comunicação ao Senado Federal para os fins do art. 52, X, da
atual Constituição, e tal resolução, se emitida pelo órgão legislativo, teria
nítido caráter legislativo, operando erga
omnes, alcançando quem não fora parte na causa judicial, adentrando,
conforme o ato impugnado, nas esferas normativas federal, estadual ou
municipal.
No entanto, o apontado precedente representou para o Supremo Tribunal
Federal a travessia do Rubicão entre as suas funções jurisdicionais (do caso
concreto) e as funções legislativas (de dispor erga omnes, com eficácia de lei); de órgão do Poder Judiciário para
funções do Poder Legislativo, de função até então considerada como de “técnica
de julgamento” para função de amplo campo político, de discricionariedade ou
conveniência.
É certo que a tal foi compelido pelo império das circunstâncias e pelo
fato de que recebera, pela Emenda Constitucional nº 16/65, o poder de julgar a
ação direta de inconstitucionalidade, embora, até então, não tivesse a Suprema
Corte autoridade própria para fazer cessar os efeitos da norma impugnada, o que
dependia de resolução senatorial.
Do modelo estadunidense da U. S.
Court, com atribuição de processar e julgar os casos concretos,
concretizando individual e concretamente a norma para as partes, e que só tem
poder vinculativo dos demais órgãos judiciais pelo sistema tradicional do stare decisis quieta movere, caminhou-se
(a passos tímidos, é forçoso reconhecer...) para o modelo continental europeu
da Corte Constitucional como órgão do Parlamento e, assim, desinibidamente
atuando como legislador, dispondo para todos através de norma que visa regular
os casos futuros.
Há quem diga que o momento político, em 1975, era o adequado para que a
Corte Suprema avançasse do estágio técnico e jurisdicional para o nível
legislativo e político, pois a força do Governo Militar, naquele momento
histórico, constrangia e infirmava o Congresso Nacional. Contudo, e como se
demonstra neste breve escorço histórico do
controle de constitucionalidade, a evolução foi lenta mas duradoura.
A Emenda Constitucional nº 7/77 não só respaldou o precedente ao
conceder formalmente ao Supremo Tribunal Federal o poder de processar e julgar o pedido de medida cautelar nas
representações oferecidas pelo Procurador-Geral da República, como a
função, tipicamente legislativa, de proceder à interpretação de lei ou ato
normativo federal ou estadual.
Ressalte-se a enorme distância entre as funções legislativas na
representação de inconstitucionalidade e na representação para interpretação:
naquela se trata de função legislativa negativa, pois se extrai a eficácia pela
suspensão dos efeitos da norma impugnada; nesta se trata de função legislativa
positiva, pois se agrega à norma genérica e abstrata uma nova qualificação
jurídica, uma inovação normativa.
É certo que razões históricas somente permitiram ao Supremo Tribunal
Federal processar poucas representações para interpretação, entre elas se
destacando o conhecido e controvertido julgamento quanto ao Decreto-lei nº
2.019, que tratava de matérias referentes à remuneração dos magistrados,
entendendo-se que alguns dispositivos alcançavam todos os magistrados, federais
e estaduais, e outros – justamente aqueles referentes à remuneração – somente
beneficiavam os magistrados federais.
Quanto à avocatória,[23]
que também, introduzida pela Emenda Constitucional nº 7/77, poucas vezes foi
utilizada pela Suprema Corte, mesmo porque o Procurador-Geral da República, que
acumulava as funções que hoje estão separadas entre o Ministério Público
federal e a Advocacia Geral da União, a poucas incursões nesta área se
aventurou.
De qualquer forma, o pêndulo da História alcançou os trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte de 1987/1988 com a idéia de que seria possível
se transformar, sem grandes rupturas do sistema até então existente, o Supremo
Tribunal Federal da matriz americana para Corte Constitucional de matriz
européia.
9. O
controle de constitucionalidade na Constituição de 1988
A Constituinte de 87/88, como não podia deixar de ser, por se tratar de
assembléia debatendo o exercício do Poder, muito discutiu sobre o Poder
Judiciário e sobre a sua estrutura e funções no Estado Democrático de Direito,
muitas vezes partindo da ferrenha e desarrazoada crença de que poderiam os
tribunais, por si só, redimir os pecados do sistema político.
Ao fim de tantos debates, acabou ficando o Poder Judiciário, salvo
poucas alterações, com o mesmo formato que oferecia nos tempos últimos da
ditadura militar, inclusive quanto às funções do Supremo Tribunal Federal, que,
se perdeu as atribuições de velar pela legislação federal, o que passou para o
Superior Tribunal de Justiça, ganhou maiores atribuições no papel de guardião
da Constituição, como passou a constar no caput
do art. 102 da Constituição promulgada, em 5 de outubro de 1988, pelo velho
político liberal Ulysses Guimarães.
A ação direta de inconstitucionalidade ganhou muitos legitimados ativos
e não mais só o Procurador-Geral da República, como constava no antigo art.
119, I, 1, da ordem constitucional derrogada.
A multidão de legitimados ativos levou à construção de uma nova técnica
de seleção, passando-se a exigir o que se denominou de pertinência subjetiva entre o legitimado constante dos incisos do
art. 103 com o tema em debate na ação direta de inconstitucionalidade. Daí
somente o Presidente da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil e os partidos políticos dispõem de interesse processual
para ofertar ação direta de inconstitucionalidade sobre qualquer tema, enquanto
os demais legitimados hão de demonstrar, em cada ajuizamento, tal interesse,
como, por exemplo, a Associação dos Magistrados Brasileiros, entidade de classe
de âmbito nacional, que somente poderá ofertar ação impugnando lei ou ato
normativo cujo conteúdo tenha relação com os seus associados.[24]
Instituiu-se expressamente a possibilidade da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão legislativa (art. 102, § 2º), instrumento do
controle concentrado, a par do mandado de injunção, instrumento do controle
incidental de constitucionalidade, que, no entanto, ainda não mereceu
jurisprudencialmente o devido tratamento que viabilizasse a sua utilização.
O Procurador-Geral da República passou a ter o dever de atuar em todos
os processos de competência do Supremo Tribunal Federal e, para a defesa do ato
impugnado no controle concentrado, passou o art. 102, § 3º, a exigir a prévia
citação do Advogado-Geral da União.
No plano estadual, instituiu-se a ação direta de inconstitucionalidade
local, como proclamou o art. 125, § 2º: cabe
aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou
atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual,
vedada a atribuição de legitimação para agir a um único órgão.
A criação da representação de inconstitucionalidade em nível estadual
ofereceu, desde logo, uma grande dificuldade em face das normas reproduzidas, isto é, as normas constantes da Constituição
estadual que não inovam mas simplesmente reproduzem o que está na Carta da
República, pois o âmbito normativo constituinte do Estado-membro, em nossa
federação, está limitado, como se vê no art. 25: os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios desta Constituição.
Ciente de sua impossibilidade de atuar diretamente no controle de
constitucionalidade sobre as leis e os atos normativos dos atuais 27 Estados e
5.500 municípios, resolveu o Supremo Tribunal Federal que o filtro ficaria com
as Cortes estaduais, cabendo recurso
extraordinário das decisões proferidas nas representações de
inconstitucionalidade, o que não parece consentâneo com o seu caráter
legislativo negativo e com o efeito devolutivo do recurso.[25]
E tudo assim caminhou no período entre 1988 e 1993, cristalizando-se na
comunidade jurídica que o papel da Suprema Corte deveria ficar restrito ao
controle jurisdicional da constitucionalidade de forma incidental às causas que
lhe fossem admitidas, e que o seu controle concentrado ficaria restrito ao papel
de legislador negativo, suspendendo os efeitos da norma considerada
inconstitucional, bem como declarando a omissão legislativa.
9.1. O
papel de legislador positivo do Supremo Tribunal Federal
A questão tributária foi o fundamento da Magna Charta Libertatum, de 1215, instrumento de garantia que os
senhores feudais arrancaram do soberano inglês para que não fossem depois por
ele cobrados em prévia anuência (no
taxation without representation).
No Brasil, e especificamente no controle de constitucionalidade, salvo
quanto às inovações da Constituição de 1934, de evidente conteúdo
político-ideológico pela crise então existente sobre os fins e a natureza do
Poder Público, a questão tributária foi o grande impulso, como vimos na edição
da Emenda Constitucional nº 16, de 1965, e pela Emenda Constitucional nº 3, de
1993. Aquela surgiu em momento de transição da política nacional, com o poder
militar conferindo ao Governo central força suficiente para ultrapassar os
pendores oligárquicos estaduais; esta também surgiu em momento de transição
nacional, pela instabilidade política que se seguiu ao impeachment de Fernando
Collor e pelo consenso das forças políticas em torno do Presidente Itamar
Franco, buscando soluções para o solapamento do sistema econômico pelo fenômeno
da inflação, então crônico, de mais de quarenta anos, cujas causas estariam no
descontrole do Poder Público.[26]
No que mais diretamente nos interessa neste momento, a Emenda
Constitucional nº 3, proposta pelo Poder Executivo e rapidamente aprovada pelo
Congresso Nacional, alterou a redação de diversos dispositivos constitucionais,
entre os quais, citam-se:
- no art. 102, acrescentou-se à competência originária do Supremo
Tribunal Federal, na alínea “a”, do inciso I, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal, passando o parágrafo único do mesmo artigo a ser o § 1º, com o
acréscimo de novo parágrafo, dizendo que as
decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas
ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal,
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais
órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo; e
- no art. 103, foi acrescentado o § 4º, dispondo que a ação declaratória de constitucionalidade
poderá ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal,
pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República.
Evidente o conteúdo legislativo positivo da ação declaratória de
constitucionalidade, pois através do provimento de procedência agrega-se ao ato
normativo a qualidade ou eficácia de imunizá-lo ao controle incidental de
constitucionalidade; isto é, a decisão da Suprema Corte na ação declaratória de
constitucionalidade tem o impressionante efeito de impedir que juízes e
administradores públicos neguem aplicação à norma infraconstitucional sob o
fundamento de ser a mesma incompatível com a Lei Maior.
Aliás, pela ação declaratória de constitucionalidade, o Supremo Tribunal
Federal ganhou um poder que nem mesmo dispõe o próprio Poder Legislativo, pois
este, em face da Constituição rígida, não consegue imunizar os seus atos, ainda
que emenda constitucional, ao controle de constitucionalidade incidental ou
concentrado.
O surgimento da ação declaratória de constitucionalidade propiciou
reações de diversos setores da sociedade, mas tais manifestações foram vencidas
pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que proclamou a constitucionalidade da
Emenda Constitucional nº 3/93, no tocante à ação declaratória de constitucionalidade,
em decisão plenária de 27 de outubro de
1993, na questão de ordem suscitada pelo relator Ministro Moreira Alves na ADC
nº 1-1/DF, posta pelo Presidente da República e pelas Mesas da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal, cujo objeto era o reconhecimento da constitucionalidade da própria ação
declaratória de constitucionalidade...
Outra importante decisão sobre o controle concentrado foi a proferida
pela Suprema Corte no julgamento da ADCm nº 4, julgada em 11 de fevereiro de
1998, sob o relato do Ministro Sidney Sanches, citando o precedente da
Representação 933, de 1975, e assim admitindo medida liminar – a despeito da
Constituição somente se referir a ADIn no art. 102, I, “p” – em ação
declaratória de constitucionalidade, com referência ao art. 1º da Lei nº 9.494,
de 10 de setembro de 1997:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A
APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR:
CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO. 1. Dispõe o art.
1º da Lei nº 9.494, de 10.09.1997: “Art. 1º. Aplica-se à tutela antecipada
prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto no art. 5º
e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no
art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º
e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992”. 2. Algumas instâncias ordinárias
da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda Pública,
argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias
igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido,
reputando constitucional o dispositivo em questão. 3. Diante desse quadro, é
admissível Ação Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do
inciso I do art. 102 da C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a
controvérsia sobre a questão prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. nº
1. Art. 265, IV, do Código de Processo Civil. 4. As decisões definitivas de
mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de
Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra
todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário
e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, § 2º , da C.F. 5. Em Ação dessa
natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente,
tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa
previsão constitucional de medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar
é imanente ao de julgar. Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342. 6. Há plausibilidade
jurídica na argüição de constitucionalidade, constante da inicial (“fumus boni
iuris”). Precedente: ADIMC - 1.576-1. 7. Está igualmente atendido o requisito
do “periculum in mora”, em face da alta conveniência da Administração Pública,
pressionada por liminares que, apesar do disposto na norma impugnada,
determinam a incorporação imediata de acréscimos de vencimentos, na folha de
pagamento de grande número de servidores e até o pagamento imediato de
diferenças atrasadas. E tudo sem o precatório exigido pelo art. 100 da
Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças noticiadas na inicial e
demonstradas com os documentos que a instruíram. 8. Medida cautelar
deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, “ex nunc”, e com
efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela
antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de
10.09.97, sustando-se, igualmente “ex nunc”, os efeitos futuros das decisões já
proferidas, nesse sentido.
Atente-se para a parte posta em negrito: em sede cautelar, com efeito
vinculante, e até o julgamento final da ação, foram suspensos os efeitos
das concessões de tutela antecipada
contra a Fazenda Pública – evidentemente que somente as que tivessem por
pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei
nº 9.494/97 –, bem como – o que é mais
extraordinário – foram suspensos os efeitos futuros das decisões já proferidas
nesse sentido!
Em outras palavras, se a antecipação de tutela mandava pagar determinada
quantia ao autor da demanda, o que já tinha sido pago não seria pedido de volta
(aguardando-se, ao menos, a decisão final...), mas se ainda se estivesse
pagando, a publicação da decisão da Suprema Corte tinha o extraordinário efeito
de bloquear a continuação desses pagamentos, ainda que já tivessem precluído os
respectivos meios de impugnação.
Evidente aí o caráter normativo – legislativo para alguns,
constitucional para outros[27]
– da decisão cautelar na referida ação declaratória de constitucionalidade,
pois não só imunizou o art. 1º da Lei 9.494/97 do controle incidental de
inconstitucionalidade, como, até mesmo, suspendeu os efeitos das decisões
anteriores que tivessem por pressuposto a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade do mesmo dispositivo legal.
Note-se que a decisão suprema incidia sobre cautelares concedidas pelos
juízes, decisões tipicamente provisórias, ainda que já tivessem se esgotados os
meios recursais de impugnação.
A partir daí passou-se a aceitar, com certa tranqüilidade, o papel
legislativo, até mesmo positivo, do Supremo Tribunal Federal, através de leis
ordinárias que concediam efeitos vinculantes às decisões não só do mais alto
Tribunal como até mesmo dos demais Tribunais Superiores.
Típica dessa vinculação foi a nova redação que se imprimiu ao disposto
no art. 557 do Código de Processo Civil:
Art. 557. O relator negará seguimento a
recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto
com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de
17.12.1998.)
§ 1o-A Se a decisão recorrida
estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar
provimento ao recurso. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998.)
§ 1o Da decisão caberá agravo,
no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se
não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto;
provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756,
de 17.12.1998.)
§ 2o Quando
manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o
agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido
da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao
depósito do respectivo valor. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.756, de
17.12.1998.)
Ressalte-se: criou-se uma vinculação não só com súmula mas até mesmo com
a jurisprudência dominante não só no Supremo Tribunal Federal como em outro
Tribunal Superior; o relator negará (é comando imperativo) seguimento ao
recurso que afrontar precedente ou, até mesmo, dará provimento ao recurso se a
decisão impugnada afronta o mencionado precedente.
Vê-se, assim, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda que
aprecie incidentalmente o tema de constitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público, em qualquer das esferas governamentais (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios), passou a ter dois níveis ou planos de efeitos:
a) o nível interno, com função jurisdicional, no caso concreto, sobre as partes
para as quais foi pronunciada a decisão, e b) o nível externo, com efeitos erga omnes et ex nunc (a partir do ato),
com função legislativa, e efeitos indeterminados e abstratos.
Por este último efeito, que poderíamos denominar de pan-processual (porque alcança outros processos que não aquele em
que foi proferido o precedente) ou até mesmo de efeito normativo ou efeito
legislativo (posto que alcança sujeitos indeterminados prevendo condutas
hipotéticas), as decisões do Supremo Tribunal Federal, proclamando a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, distrital ou
municipal, passaram a dispensar não só a comunicação ao Senado Federal, como
exigido no art. 178 do seu Regimento Interno, como a própria resolução a que se
refere o art. 52, X, da Constituição, dispositivo que, a partir daí, se tornou letra morta, como gostavam de dizer os
antigos.
Há outros casos de vinculação às decisões do Supremo Tribunal Federal
criados pela lei ordinária, como se vê quanto à argüição de
inconstitucionalidade nos tribunais como procedimento de instrumentalização do
princípio da reserva de plenário contido no art. 97 da Lei Maior:
Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de
lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério
Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do
processo.
Art. 481. Se a alegação for rejeitada,
prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser
submetida a questão ao tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao
plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já
houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão. (Parágrafo acrescentado pela
Lei nº 9.756, de 17.12.1998.)
Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a
todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.
§ 1o O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito
público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem,
poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os
prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.868, de
10.11.1999.)
§ 2o Os titulares do direito de propositura referidos no art.
103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão
constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do
Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de
apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.868, de
10.11.1999.)
§ 3o O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível,
a manifestação de outros órgãos ou entidades. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.868, de 10.11.1999.)
Veja-se o comando contido no parágrafo único do art. 481 do Código de
Processo Civil, ao vedar aos órgãos fracionários a remessa ao Pleno, ou órgão
especial, quando o tema já tiver sido objeto de anterior deslinde (em um ou
outro sentido) não só pelo próprio Pleno ou pelo Supremo Tribunal, por seu
plenário.
Mais se assemelha hoje o processo de controle de constitucionalidade nos
tribunais com o processo legislativo realizado pelas Casas legislativas, pois,
como se vê nos parágrafos do antes transcrito art. 482, poderão terceiros – e
não só aqueles titulares da propositura de ação direta de inconstitucionalidade
– se manifestar nos autos da argüição de inconstitucionalidade perante o pleno
de Tribunal.
Frutos de tal compreensão do processo de controle de constitucionalidade
foram a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, dispondo sobre o processo e
julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, e a Lei nº 9.882, de 3
de dezembro seguinte, sobre o processo e julgamento da argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
A Lei nº 9.868/99 conferiu aos procedimentos da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação direta de constitucionalidade nítido caráter
legislativo, tomando como paradigma as normas regimentais das casas
legislativas sobre a instrução dos projetos de leis e as normas gerais sobre a
validade e eficácia das leis, como se vê em diversas disposições:
- no art. 11, mandando que a medida cautelar de ação direta de
inconstitucionalidade seja publicada em seção especial do Diário Oficial da
União e do Diário da Justiça da União;
- no art. 11, §§ 1º e 2º, as determinações de que a medida cautelar é
dotada de eficácia erga omnes e ex nunc, salvo se o Tribunal entender
que deva conceder-lhe eficácia retroativa (e antes se considerava que as leis
não podiam retroagir...);
- no art. 20, § 1º, como se fosse a instrução por comissão legislativa,
declarou-se o poder do relator de até mesmo fixar
data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e
autoridade na matéria;
- no art. 27, a possibilidade de concessão de efeitos diferidos no tempo
da decisão que der pela inconstitucionalidade;
- no art. 28, caput, a
determinação de publicar a parte dispositiva do acórdão nos Diários Oficiais da
União e da Justiça; e
- no art. 28, parágrafo único, a concessão de eficácia erga omnes e de efeitos vinculantes em
relação aos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública em todos os
níveis federativos à declaração de constitucionalidade
ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição[28]
e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.[29]
A Lei nº 9.882/99, no mesmo diapasão e a despeito do caráter incidental
da argüição de descumprimento de preceito fundamental, prevê:
- no art. 5º, § 3º, embora respeitando a coisa julgada, que a liminar
poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o
andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra
medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento
de preceito fundamental;
- no art. 6º, § 1º, a mesma redação do art. 20, § 1º, da Lei nº
9.868/99; e
- no art. 11, a mesma redação do art. 27 da Lei nº 9.868/99.
10.
Conclusão
Trata-se de um breve histórico do controle da constitucionalidade e a
conclusão ainda não merece ser escrita pois continua o impressionante fluxo da
realidade política e social sobre as normas jurídicas.
O que se pode ver, até agora, é que no Brasil, como em outros países, o
controle da constitucionalidade das leis passou a ser a grande arena em que se
digladiam os interesses que movem a sociedade moderna, desconfiada aqui e
alhures do positivismo jurídico e muito mais confiante nos valores que são
indicados pela Constituição e pelas leis, mas que não se esgotam na letra fria
do texto legal.
[1] Ensina o Dicionário Houaiss, na sua
versão eletrônica, sobre o significado, entre outros, da palavra empirismo: Rubrica: filosofia.
Doutrina segundo a qual todo conhecimento
provém unicamente da experiência, limitando-se ao que pode ser captado do mundo
externo, pelos sentidos, ou do mundo subjetivo, pela introspecção, sendo
geralmente. descartadas as verdades reveladas e transcendentes do misticismo,
ou apriorísticas e inatas do racionalismo. Obs.: p.opos. a racionalismo.
[2] Ou, como nós herdamos dos americanos, na dicção do art. 25, § 1º,
da Constituição de 1988: são reservadas aos Estados as competências
que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
[3] Neste aspecto e para o nosso sistema jurídico, veja-se o comando
que está no disposto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil,
reproduzido no art. 126 do Código de Processo Civil: o juiz não se exime de sentenciar ou despachar, alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais;
não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
direito.
[4] Tal poder da Suprema Corte chegou a um nível tão impressionante
que o seu antigo Presidente, Charles Evans Hughes, podia proclamar, antes mesmo
de meados do século XX, que: We are under
the Constitution, but the Constitution
is what we say it is, a
merecer a seguinte tradução livre: nós (o povo dos Estados Unidos) vivemos sob a Constituição, mas ela é o que
nós (os juízes da Suprema Corte)
dizemos que é...
[5] Daí se explica o título que se concedeu a D. Pedro: Dom Pedro I,
por graça de Deus e unânime aclamação dos Povos, Imperador constitucional e
Defensor perpétuo do Brasil.
[6] Proclamava o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, que sem a garantia dos direitos individuais e sem
a separação dos Poderes não haveria Constituição.
[7] Não causa estranheza tal
poder de dizer maior quem não o era, pois ao Parlamento britânico, considerado
como a Constituição viva em face de
inexistência de texto constitucional consolidado, e ao menos até meados do
século XX, aplicava-se o brocardo o
Parlamento pode tudo, até mesmo transformar homem em mulher.
[8] Como está no art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988.
[9] Veja-se a diferença histórica: nos Estados Unidos a U.S. Court trouxe para si o poder de
controlar a constitucionalidade das leis; no Brasil, foi o próprio Poder
Legislador que deferiu aos órgãos do Poder Judiciário tal atribuição, pois o
referido dispositivo legal representou a solene declaração do legislador de que
cabe ao controle judicial examinar a eventual incompatibilidade de seus atos
com a Lei Maior, ou, o que é muito mais grave, a declaração de que cabe ao
Poder Judiciário expressar o significado da Constituição.
[10] Embora a Constituição de 1891 tenha adotado o princípio
republicano, que tem como pressuposto a igualdade de tratamento entre os
cidadãos, tal não foi facilmente
assimilado pelos agentes do poder da época. Neste aspecto, destaque-se que a
grande maioria dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça do Império foi
incorporada ao novo Supremo Tribunal Federal, entre eles dois ministros que,
mesmo depois, continuaram a usar os títulos nobiliárquicos que receberam do
Imperador, como, já no início do século XX, fez o Ministro das Relações
Exteriores, o grande diplomata Barão de Rio Branco. E, a despeito de tudo,
dispunha o art. 72, § 2º, da Constituição de 1891, que todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégio de
nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e
regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho. Quanto a este
último, os adversários de Rui pejorativamente o chamavam de Conselheiro, título
que lhe fora dado no Império...
[11] Civil Law é a denominação
dada ao sistema jurídico predominante na Europa continental, em que a lei
positiva é a fonte principal (como está no art. 126 do Código de Processo Civil
e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil) em contraposição ao Common Law, que é o sistema jurídico
originado na Inglaterra e que foi levado para suas antigas colônias, em que a
fonte principal do direito são as regras preexistentes na comunidade (os
costumes) e onde a lei escrita tem caráter suplementar.
[12] O terrível regime
nacional-socialista, sob a férrea liderança de Adolf Hitler, se não respeitou,
ao menos não teve a coragem de tentar revogar a Constituição de Weimar, a qual
ficou nominalmente mantida embora repetidamente violada.
[13] Constituição de 1934, art.
12, § 2º: Ocorrendo o primeiro caso do n.
V, a intervenção só se efetuará depois que a Corte Suprema, mediante provocação
do Procurador-Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha
decretado e lhe declarar a constitucionalidade.
[14] A doutrina denominou a representação para intervenção de ação
declaratória de inconstitucionalidade, pois a Corte Suprema simplesmente
declarava a inconstitucionalidade, procedendo a comunicação ao Presidente da
República para que este viesse com o decreto de intervenção, como até hoje está
no art. 36, § 3º, da Constituição de 1988, inclusive a dispensar o decreto da
apreciação pelo Poder Legislativo.
[15] Revista Forense, nº
339, pp. 113 e segs.
[16] Até hoje está no art. 178 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, embora com remissão à Constituição de 1967, a seguinte
disposição: Declarada incidentalmente a
inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á a
comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como,
depois de trânsito em julgado, ao Senado Federal para os efeitos do art. 42,
VII, da Constituição.
[17] Interessante observar que
tal quorum qualificado retornou ao controle de constitucionalidade
através da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, art. 27: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de
outro momento que venha a ser fixado.
[18] Somente com a
redemocratização e através da Lei Constitucional nº 18, de 11 de dezembro de
1945, foi revogado tal parágrafo único que, na verdade, introduzia uma
verdadeira emenda constitucional para caso concreto, alterando a decisão do
Tribunal. Contudo, desde logo, se vê aí a idéia, que muito mais adiante vingou,
no sentido de que o precedente criado pelo reconhecimento incidental da
inconstitucionalidade passaria a ter efeitos erga omnes, extrapolando dos estreitos limites subjetivos da coisa
julgada.
[19] Basta se ver que, no
período entre 1946 e 1964, o único Presidente da República civil que, eleito,
entregou o Governo a outro Presidente civil também eleito foi o grande mineiro
Juscelino Kubitschek, embora o seu sucessor, Jânio Quadros, tenha
inexplicavelmente renunciado oito meses depois...
[20] Theotonio Negrão entende
que tais leis foram revogadas pela Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que
regula o processo da ação direta de inconstitucionalidade e da ação direta de
constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (cf. Código de Processo
Civil e legislação processual em vigor, 33ª ed., São Paulo, Saraiva, nota 1
ao art. 31 da mesma lei, p. 1.021). Contudo, este autor ousa contestar tal
entendimento, pois as mencionadas leis dispõem sobre alguns temas que não são
tratados na legislação de 1999.
[21] O Senador Accioly Filho,
antigo Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, foi saudoso
político e constitucionalista que muito tratou do tema, inclusive na Revista
Legislativa do Senado.
[22] Revista Trimestral de
Jurisprudência nº 23, p. 1
[23] Notem-se os específicos
fundamentos e fins da avocatória: quando
decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às
finanças públicas, para que se suspendam os efeitos da decisão proferida e para
que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido. Contudo, desde a
lei que primeiro regulou o processo do mandado de segurança, a Lei nº 191, de
16 de janeiro de 1936, substituída depois pela Lei nº 1.533, de 31 de dezembro
de 1951, esta complementada pela Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, temos a
ação cautelar denominada de suspensão de
segurança, como estatui o art. 4º desta última lei, do seguinte teor: quando, a requerimento de pessoa jurídica de
direito público interessada e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas, o Presidente do Tribunal ao qual couber o
conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a
execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito
suspensivo, no prazo de cinco dias, contados da publicação do ato. Daí se
vê por que a avocatória foi poucas vezes requerida pelo Procurador-Geral da
República, pois a suspensão de segurança tinha a mesma capacidade de produzir
efeitos sem o deletério efeito de carrear para o mais Alto Tribunal a cognição
plena da lide, em instância única. Sobre o tema, consultar Cristina Gutiérrez, Suspensão de liminar e de sentença na tutela
do interesse público, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2000, notando o
precedente estabelecido por José Nery da Silveira quando Presidente do antigo
Tribunal Federal de Recursos, a destacar o conteúdo amplo de discricionariedade
do Presidente do Tribunal na apreciação do requerimento, em face da ampla
normatividade dos conceitos indeterminados de ordem, saúde, segurança e
economia públicas.
[24] ADIMC 913/DF (medida
cautelar na ADIn 913/DF), relator o
Ministro Moreira Alves, julgada pelo Pleno em 18 de agosto de 1993, DJU
de 05/05/1995: Ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos
Magistrados Brasileiros. Art. 1º da Emenda Constitucional nº 3/93, na parte em
que altera os arts. 102 e 103 do texto original da Constituição. Pedido de
liminar. Já se firmou nesta Corte o entendimento de que as entidades de classe
de âmbito nacional para legitimação para propor ação direta de
inconstitucionalidade têm de preencher o requisito objetivo da relação de
pertinência entre o interesse específico da classe, para cuja defesa essas
entidades são constituídas, e o ato
normativo que é argüido como inconstitucional (cf. as ADIns 77, 138 e 159). No caso, trata-se de questão
interna do Poder Judiciário, cujo pretenso interesse da magistratura é colocado
em termos de contraposição de poderes entre seus órgãos sob a alegação de que
os acrescidos a um – que é o seu órgão-cúpula – coartam a independência dos que
lhe são hierarquicamente inferiores. Questões dessa natureza, que dizem
respeito, lato sensu, à organização do Poder Judiciário, sem lhe
coartarem a independência e as atribuições institucionais, não têm pertinência
com as finalidades da autora, quer encarada estritamente como entidade de
classe, quer encarada excepcionalmente como entidade de defesa do Poder
Judiciário, porque, no caso, quanto a ele em si mesmo, nada há que defender por
lhe ter a emenda constitucional impugnada ampliado o âmbito do controle
concentrado da constitucionalidade dos atos normativos. Ação direta de
inconstitucionalidade não conhecida, porque não tem a autora, por falta de
relação de pertinência, legitimidade para propô-la.
[26] Veja-se, sobre a crise brasileira e a Emenda Constitucional nº
3/93, deste autor, o capítulo I de Ação
declaratória de constitucionalidade, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense,
2000.
[27] Teve caráter
constitucional porque expressou a vontade da Constituição, a norma de conduta
dela originada, regulando os efeitos da mesma norma constitucional perante o
ordenamento jurídico.
[28] O texto legal autoriza o Supremo Tribunal Federal a
proceder à interpretação conforme a Constituição em sede de ADIn ou de ADC, o
que o Excelso Pretório faz, em casos tais, com supedâneo na expressa ordem do
art. 126 do Código de Processo Civil de que os juízes devem aplicar as normas
legais, e, não as havendo, a analogia, os costumes e os princípios gerais do
Direito. Então, pela analogia, poderá o próprio Supremo Tribunal Federal, assim
como os demais órgãos judiciais, inclusive os juizes monocráticos, na resolução
das lides, utilizar a técnica da interpretação conforme a Constituição.
[29] O Chefe do Executivo somente pode opor veto parcial
a texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea (Constituição,
art. 66, § 2º)